quinta-feira, 29 de outubro de 2009

OESP - Operação Copenhague

As divergências no governo sobre a meta de redução das emissões de gases estufa para 2020 que o Brasil pretende levar à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro em Copenhague, começam a resvalar para um exercício frívolo de futurologia. Numa recente reunião com o presidente Lula, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, propôs que o País se comprometesse com um corte de 40% das emissões de carbono causadoras do aquecimento global, combinado com uma queda de 80% do desmatamento da Amazônia ? que responde por 2/3 da contribuição nacional para a tendência de elevação da temperatura do planeta.


Os valores defendidos pelo ministro embutem a premissa de que o crescimento anual médio da economia brasileira ao longo do próximo decênio ficará em 4%. Quanto menor a expectativa de expansão da atividade produtiva e do consumo de energia durante um dado período, mais ousadas podem ser as metas de combate à piora do clima ? ou da defesa do ambiente em geral.

Ocorre que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para quem, como para Lula, o desenvolvimento deve ter precedência sobre as políticas ambientais, contestou a estimativa do colega, cobrando que se trabalhe com uma hipótese de crescimento médio do PIB de 5% a 6% pelos próximos 10 anos. Com isso, teriam de ser revistas, para menos, as propostas de contenção das emissões de CO2. Minc classificou os cenários preferidos por Dilma como "altamente improváveis" ou "improbabilíssimos". "Para o País crescer 6% ao ano em média, se num ano crescer 2%, no outro tem de crescer 10%", exemplificou ? ou simplificou. De toda maneira, se o retrospecto serve para alguma coisa, ele tem um ponto. "Nunca antes o Brasil cresceu 4% ao ano por 10 anos seguidos", lembrou. "É uma hipótese já otimista dada pelos Ministérios da Fazenda, Planejamento e de Minas e Energia. Não fomos nós que criamos esse número."

Na próxima terça-feira, Minc apresentará o seu plano ao presidente. Fará bem se não afogá-lo em números como os que vem divulgando. Pelo detalhismo e pela segurança com que os enuncia, parece tratar do futuro como fato já consumado. É a impressão que se tem quando ele diz que a meta de redução das emissões em 40% pode ser cumprida, "com um esforço adicional", com 5% de crescimento. Mas, com 6%, "alcançaremos apenas 37%". Ou quando profetiza que, sem a meta, um PIB de 4% representará 2,7 bilhões de toneladas de gases estufa em 2020 e que uma taxa de 5% produzirá 3 bilhões. Mesmo quem tenha mais paciência do que Lula com jogos aritméticos não deixará de reagir com perplexidade à numeralha do ministro ? e ao próprio debate com a ministra da Casa Civil. Uma coisa e outra sugerem esquemas distintos dentro de uma mesma operação: a de permitir que o governo faça boa figura na conferência de Copenhague ? um evento aguardado com prognósticos de fracasso.

A recusa dos Estados Unidos de se comprometerem com metas substanciais de corte de emissões, numa espécie de atualização do Protocolo de Kyoto, de 1997, e a relutância da China, a maior potência poluidora entre os emergentes, em prevenir que as suas emissões simplesmente dupliquem até 2020 devem bloquear qualquer acordo visando à elaboração de um tratado global. Em vez disso, o resultado de Copenhague não iria além de uma "declaração política", deixando para depois a implementação dos seus princípios. Esse sombrio horizonte cria uma oportunidade, praticamente a custo zero, para o Brasil se distinguir tanto dos países desenvolvidos quanto daqueles em desenvolvimento. O primeiro indício marcante de que Lula decidiu aproveitar a chance foi a mudança de tom no seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, em setembro.

Em vez de repetir que as nações ricas é que devem "dar o exemplo" na luta contra o efeito estufa e que, nessa matéria, o governo só tem deveres com a sua população, ele anunciou que o Brasil irá a Copenhague "com alternativas e compromissos precisos", como o da redução do desmate de 80%. E exortou "todos os países" a "realizar ações para reverter o aquecimento global". Nem Lula é um ambientalista nem o seu governo é uma referência no combate à devastação do meio ambiente. Mas a sua intuição parece indicar-lhe que só terá a ganhar se o Brasil ostentar um papel de vanguarda na conferência. O cumprimento dos compromissos é outra história.

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