terça-feira, 27 de outubro de 2009

Folha - Acordos bilaterais sobre o clima avançam

Amplo pacto climático para redução da emissão de gases perde força; especialistas são céticos quanto a sucesso em Copenhague


Proposta dos países serão mostradas em dezembro, na COP-15; economista americano prevê que "não haverá acordo climático"

ANDRÉ PALHANO

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Sai de cena a celebração de um grande acordo climático em escala mundial; ganham espaço acordos bilaterais entre países, legislações nacionais e a autorregulação do mercado como forças motrizes para a redução das emissões de gases do efeito estufa no planeta.

Essa é a síntese das expectativas majoritárias em relação à reunião de Copenhague (COP-15), em dezembro, na qual os países levarão suas propostas de corte das emissões de gases do efeito estufa em busca de um acordo multilateral para a redução do aquecimento global.

Nos últimos dias, após breve intervalo de ânimo gerado por iniciativas como a do Japão, que anunciou metas de redução ambiciosas, ou das manifestações do setor privado cobrando ousadia nas propostas dos governos, as expectativas de sucesso para a reunião de Copenhague voltaram a azedar.

A falta de sinais claros sobre a legislação norte-americana que estabelece tetos para as emissões, cuja tramitação enfrenta forte resistência no Senado, reforçam esse quadro de ceticismo. Assim como declarações de lideranças que participaram das reuniões preparatórias para a COP-15, como a do presidente da Comissão do Clima da ONU, Ivo de Boer, que criticou abertamente a falta de progressos na reunião de Bancoc, realizada no começo do mês.

"Está ficando claro que não vamos chegar a um acordo climático amplo em Copenhague. Nenhuma delegação quer fazer mais do que as outras. E todas procuram mostrar o máximo com o mínimo", resumiu à Folha o economista americano Lester Brown, considerado uma das vozes mais influentes no tema da sustentabilidade.

Acordos bilaterais

Com a possibilidade de um amplo acordo climático na COP-15 em xeque, lideranças políticas começam a se movimentar em outras direções, estabelecendo contatos para acordos bilaterais -como o ambicioso plano que começou a ser costurado entre EUA e China para o próximo ano- ou avançando com legislações locais sobre o assunto.

"É possível fazer um interessante paralelo dessa realidade com a do comércio exterior, onde a dificuldade histórica de alcançar consensos nas grandes negociações globais também reforçou acordos bilaterais e legislações específicas em cada país", afirma Adriana Dantas, do escritório de advocacia norte-americano King & Spalding.

Para o setor privado, esse novo quadro representa desafios diferentes daqueles advindos de um acordo global. Por exemplo, na questão das padronizações e procedimentos acordados, que correm o risco de se multiplicarem e, assim como no comércio exterior, tornarem-se uma verdadeira salada jurídica para o planejamento estratégico das empresas que atuam em diferentes países.

O potencial de conflitos de interesses também aumenta. Até pelo fato de questões climáticas estarem cada vez mais associadas a questões de natureza econômica, caso do mercado de certificações ou das fontes renováveis de energia. "A falta de um acordo amplo em Copenhague traz riscos de desequilíbrio nas forças envolvidas nas negociações, por exemplo o de que os EUA imponham a seus parceiros laterais as mesmas regras aplicadas no mercado local", diz Dantas.

Para o diretor de Políticas para Florestas Tropicais do Environmental Defense Fund, Steve Schwartzman, o cenário de acordos bilaterais e legislações nacionais sobre o clima aumenta a relevância da criação de um fórum de discussões adequado para o assunto, com legitimidade internacional, a exemplo do que ocorre hoje com a OMC (Organização Mundial do Comércio) no comércio exterior.

"Não há como evitar completamente as ambiguidades e as contestações na questão climática, até porque ela ocupou definitivamente o papel de questão econômica. O importante é termos um fórum adequado para discutir os conflitos que venham a acontecer. Hoje, esse fórum não existe."

Schwartzman avalia ainda que a ampliação dos acordos bilaterais, na esteira de um possível fracasso na COP-15, não deve ser encarada como a morte prematura de um acordo em escala global. Até porque, em sua opinião, uma legislação nos EUA sobre o assunto, mais cedo ou mais tarde, terá de ser aprovada.

"Não devemos ver os acordos bilaterais como alternativas ou substitutos de um acordo global, apesar do desejo de muitos de resolver logo essa questão. O que os acordos bilaterais não podem é adotar regras e padrões que compliquem a adesão posterior de outras partes."

Para o coordenador de Mudanças Climáticas do WWF Brasil, Carlos Rittl, é preciso lembrar que existe uma diferença fundamental entre as negociações climáticas e as de comércio exterior: o tempo disponível. "No comércio exterior, você pode ajustar uma norma, negociá-la com mais calma. Nas questões climáticas, esses atrasos só ampliam a dimensão do problema."

Mercado

Enquanto as negociações entre governos avançam no ritmo lento da diplomacia, parte do setor privado começa a se movimentar.

"Uma das coisas mais importantes sobre o clima que vemos hoje no mundo não tem nada a ver com Copenhague ou com governos. Veja a expansão das usinas eólicas no Texas, Estado não exatamente conhecido por seu perfil ambiental. Ou a compra de energia solar do norte da África por empresas europeias. São ações extremamente importantes do ponto de vista climático, nas quais não há nenhuma participação direta de governos", aponta Brown.

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